domingo, 24 de julho de 2011

Pesquisadora aponta que mouros são retratados de forma negativa em Os Lusíadas


Em Os Lusíadas, obra clássica da literatura portuguesa escrita por Luís Vaz de Camões no século 16, os mouros, islâmicos, são retratados de maneira pejorativa, tendo a covardia e a falsidade como principais vícios. É o que mostra pesquisa feita por Amanda Azis Alexandre, defendida em março como dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob orientação da professora Adma Fadul Muhana.

O objetivo do estudo foi comprovar que o mouro como principal inimigo da cristandade era algo recorrente na literatura ibérica do século 16. Para isso, Amanda analisou não apenas o poema épico Os Lusíadas, mas também peças teatrais como O Auto da Barca do Inferno e Exaltação da Guerra, ambas de Gil Vicente, e trechos de textos como Crônica de El-Rei D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão, de Ásia, de João de Barros, entre outros.

Confrontos históricos fizeram cristãos e mouros serem principais inimigos“As crônicas foram selecionadas devido ao fato de terem servido de possíveis fontes para o poeta, segundo José Maria Rodrigues, autor do livro Fontes d’Os Lusíadas, que analisa tais textos. Já os outros foram selecionados por serem obras bem conhecidas e citadas”, afirma a pesquisadora.

O trabalho constata que os mouros eram costumeiramente retratados como viciosos. Em um dos textos estudados, Cronica de ElRey Afonso IV, escrita pelo cronista português Rui de Pina, que viveu entre 1440 e 1522, os mouros são seguidores de uma “ceita errada”, chamados frequentemente de “ignorantes”, “danada porfia”, “cegos” e “infiéis”. Esse modo de olhar não difere muito do de Camões. “Tais adjetivos injuriosos eram constantemente utilizados nos textos daquele período. Camões apenas os reproduziu”, explica Amanda.

Mover, educar e deleitar
Os Lusíadas seguem os preceitos retórico-poéticos que vigoravam no século 16 e nos séculos anteriores; sobretudo os presentes na Poética de Aristóteles, filósofo da Grécia Antiga, na Retórica a Herênio e nas Instituições Oratórias de Quintiliano, orador latino que viveu no século 1. Entre os preceitos, o mais conhecido é o triplo fim de toda e qualquer prática letrada: mouere (mover), docere (educar, ensinar) et delectare (deleitar). Ou seja, os textos deveriam, além de deleitar, agradar, seus leitores, transmitir ensinamentos e motivar ações e afetos. “Camões seguiu tais preceitos de perto”, afirma Amanda. “No entanto de uma maneira catolicamente ressignificada”.

Perguntada sobre se existe semelhança entre o discurso encontrado nas obras estudadas com o atual embate entre oriente e ocidente, a pesquisadora diz ter receio de fazer tais aproximações, mas que é possível encontrar semelhanças. Ela cita o filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, no livro A Conquista da América. “Ele afirma que o ocidente, geralmente, encara o outro de duas formas: se é um igual deve ser educado, civilizado; se é um desigual pode ser escravizado ou exterminado. Essa forma ainda é uma prática. Grande parte das pessoas do mundo ocidental acha que o mundo árabe precisa se democratizar, se ‘ocidentalizar’. Por que nosso modo de vida é melhor que o deles? Acho isso uma grande hipocrisia”, afirma Amanda.

Ela diz ter a intenção de continuar e ampliar o estudo no doutorado. “Pretendo analisar um maior número de textos, sejam estes poéticos, historiográficos, teológicos, políticos, etc. Quero saber se o vitupério [calúnia, insulto] aos mouros era mesmo uma prática generalizada”, conclui.

AGÊNCIA USP

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