domingo, 29 de maio de 2011

Os cristãos e a ecologia. Uma conversão tardia


São Francisco, irmão de toda criatura.

“Nós temos necessidade de uma conversão ecológica”. Este apelo, João Paulo II o fez de maneira incessante, indicando que a crise ecológica é, em primeiro lugar, uma crise espiritual, tendo o homem perdido o sentido de sua justa relação com o Criador, assim como com sua Criação. Depois dele, Bento XVI repete aqui e acolá a urgência de uma mobilização cristã diante da gravidade da situação. Em sua encíclica social Caritas in Veritate ele convida a avançar na questão ambiental. Mas, por que esta “conversão” tão tardia? Por que este longo silêncio da Igreja em relação ao saque do planeta? O cristianismo não tem mesmo responsabilidade na questão, como acusam alguns?

A reportagem é de Jean-Claude Noyé e está publicada na revista francesa La Vie, 03-03-2011. A tradução é do Cepat.

Tudo começa com esses versículos do Gênesis: “Encham e submetam a terra...” (Gn 1, 28). E: “Todos os animais da terra temerão e respeitarão vocês: as aves do céu... Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês” (Gn 9, 2). Muitos ecologistas veem nisso a origem do divórcio entre o homem ocidental e a natureza. E questionam a atitude judaico-cristã que coloca o homem, criado “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1, 26), no centro do mundo para dominá-lo. Uma acusação que Jean-Marie Pelt rejeita nesses termos: “Estes versículos, por mais inoportunos que possam parecer, não representam toda a Bíblia; longe disso. Quanto à ideia de dominação, ela me parece muito estranha ao cristianismo. O Cristo não lavou os pés de seus discípulos? Ele se mostra suave com os homens, assim como com os animais e plantas, que são tema de suas parábolas. Para mim, está claro que a doutrina cristã e a contemplação da natureza andam juntas”. E lembrar que a Bíblia, do começo ao fim, exalta a natureza como sendo obra de Deus. É assim nos salmos de louvor. Ou através da figura do patriarca Noé, com quem Deus faz uma segunda aliança como forma de se precaver contra o poder destruidor do homem, chamado a se tornar o jardineiro da Terra. A ser aquele que cuida dela e não seu verdugo.

É dessa maneira que os Padres do deserto a compreenderam. Empoleirados em suas colunas ou escondidos em suas cavernas, muitos viveram durante muito tempo na solidão, consagrada à contemplação da beleza da natureza. Por isso, eles gostam de dizer que ela é, depois da Bíblia, o segundo livro revelado. Santo Isaac o Sírio (século VII) reza por todas as criaturas, incluindo as serpentes e os animais selvagens, com quem vive em amizade, porque, diz ele, eles respiram com os eremitas um “odor de paraíso”. No mesmo século, Máximo o Confessor escreve: “O mundo é uno, porque o mundo espiritual em sua totalidade manifesta-se na totalidade do mundo sensível. (...) E o mundo sensível é todo ele secretamente transparente ao mundo espiritual...

O Oriente cristão continuará fiel a esta teologia de acentos cósmicos, atenta às interações entre a vida do corpo e a vida interior, entre o homem e seu ambiente natural ou sobrenatural. Ao contrário da Igreja latina, influenciada por Santo Agostinho. O eminente doutor desenvolve desde o século IV um pensamento que, apoiando-se na noção de pecado original, prepara a chegada de um espiritualismo desencarnado no qual a carne do homem e a materialidade do mundo tendem a estar separadas da alma. Santo Tomás de Aquino, que permaneceu mudo sobre a relação do homem com o seu ambiente, ampliará, por sua vez, esta tendência dualista. “Ele abre caminho para uma transformação técnica do mundo pelo homem. (...) À ideia de um Deus criador radicalmente exterior à sua Criação corresponde a representação do mundo como máquina”, destaca o padre François Euvé. Esse jesuíta, promotor de uma nova Teologia da Criação, lamenta mezza voce que a corrente franciscana não tenha tido mais eco na Idade Média. Inspirado pelo senso de louvor de Francisco de Assis e seu famoso Cântico das Criaturas, sua caridade estendida aos pássaros, e teorizada por São Boaventura, outro grande teólogo medieval, esta corrente teria sido capaz de impedir o homem do Ocidente de se perceber cada vez mais amputado da natureza. E de desenvolver uma tecnociência mortal. A linha de ruptura se situa no século XVII. Pascal já se diz assustado com “o silêncio eterno dos espaços infinitos” e não vê mais como o salmista “os céus cantarem a glória de Deus”. Descartes chega inclusive a considerar os animais como simples máquinas!, a tal ponto está imbuído da visão desencantada de um mundo desertado por Deus.

Será preciso esperar pelo século XX para que a visão dos Padres fosse reinterpretada. E por figuras proféticas como Teilhard de Chardin, e a sua Missa sobre o mundo, ou Charles Péguy, que afirma que “o sobrenatural (o espiritual) também é carnal”, desenhando os caminhos para uma nova relação do homem com Deus, consigo mesmo e com o mundo. São igualmente proféticos Jacques Ellul e Ivan Illich. O primeiro, teólogo protestante, o segundo, sacerdote e vice-reitor da Universidade Católica de Porto Rico, antes de se afastar do magistério romano. Esses dois influentes pensadores da ecologia política, autores de obras-primas, como O sistema técnico ou Libertar o futuro, contribuíram para que as Igrejas saíssem de seu torpor. Graças a Deus, estão hoje presentes nas negociações climáticas. Os protestantes exercem um papel maior. O patriarca ortodoxo Bartolomeu I, por sua vez, organiza anualmente um evento principal, por exemplo, uma cruzada ecológica sobre o Mar Negro. Além disso, ele criou, em 1989, o Tempo da Criação, no primeiro domingo de setembro, com uma liturgia apropriada.

Quanto à hierarquia católica, ela se esmera em recuperar o tempo perdido. Na França, a Pax Christi contribui de maneira significativa. Com sua ajuda, os bispos adotaram, em 2000, a declaração sobre O Respeito à Criação, depois intitulado de Antena Ambiental e Modos de Vida. A partir disso nasceu a campanha Vivre Autrement [Viver de outro modo] e publicou em 2005 uma obra que é referência no assunto: Planeta vivo, planeta morto: hora de fazer escolhas. Um título que não poderia ser mais sugestivo...

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